Histórias Curtas

O Sol de Joana

Ela olha mas não enxerga de verdade a beleza do amanhecer, tão envolta está com seus próprios questionamentos e com os medos que rondam o seu coração.

O nascer de um novo dia, coberto por um manto azul, se mostra na janela através do vidro e pelas frestas das cortinas escuras, levemente entreabertas. Essa é a primeira imagem de cada amanhecer na vida de Joana. 

Assim que Joana abre os olhos todas as manhãs, lá está o manto azul mostrado pela tênue luz dourada do nascer do sol de mais um dia e mais um dia e mais um dia. Mas Joana não vê, ela olha, mas não enxerga de verdade a beleza do amanhecer, tão envolta está com seus próprios questionamentos e com os medos que rondam o seu coração. Joana vive mergulhada nas águas escuras de uma profunda depressão. Seu corpo físico acorda a cada manhã, mas seu espírito, sua consciência, continuam adormecidas sem conseguir apreciar e valorizar esse milagre de cada amanhecer, essa luz dourada do sol que engole a escuridão da noite e pinta o manto azul do céu com as cores da vida.

Apesar de já haver ultrapassado a casa dos vinte mil novos dias de sua vida solitária, Joana ainda não despertou para a alegria simples de contemplar cada novo amanhecer, repleto de luz. E Joana, a cada dia, se afunda mais e mais em sua depressão e não percebe que a luz sempre esteve ali, disponível para ela e para todos os Seres.

Bem, parece que hoje algo diferente aconteceu, pois Joana ganhou de uma das poucas amigas que tem, um texto que a intrigou: Saudação ao Sol, uma série do Yoga composta por doze posturas. Joana sentou-se na cama, abriu o envelope, leu o texto, olhou as imagens e por algum motivo inexplicável, decidiu experimentar aqueles movimentos. Colocou-se de pé e ainda meio incrédula, fechou os olhos e uniu as mãos em frente ao peito. Nesse momento, um ponto luminoso surgiu no espaço escuro, diante de seus olhos fechados. E tudo mudou na vida de Joana.

Confira abaixo o texto que Joana recebeu:

Postura 1 – Representa a grande noite da dissolução cósmica. Tudo é imobilidade. O universo que conhecemos ainda não foi criado. É a origem de tudo, é o não manifestado.

Postura 2 – Se dá o início de tudo. A causa causada se manifesta. A energia se move e o universo se expande, definindo o espaço. Surge a matéria e o ritmo, o espaço e o tempo. Todos os caminhos se abrem, tudo é provável, tudo é possível, mas é preciso escolher.

Postura 3 – A independência e a capacidade de agir dão lugar ao declínio. Procura-se o limite das formas. É estabelecida a ligação entre o céu e a terra. E são percebidos os limites da expansão.

Postura 4 – Continuam a serem explorados os limites do espaço e do tempo, que podem ser alcançados.

Postura 5 – Aqui, pés e mãos se fazem prisioneiros da terra e sua ligação se fortalece. É uma passagem entre dois estados: extensão e contração. Simbolicamente, é a união de céu e terra manifestada pelo sol.

Postura 6 – A sombra invade a terra em seu aspecto passivo. Momento de entrega, abandono do corpo sobre a terra. E a consciência se aquieta na noite da passividade.

Postura 7 – As entranhas da terra detém os segredos dos ancestrais. E surge o paradoxo, pois simboliza simultaneamente a ignorância, a ausência de consciência e a ciência, o saber antigo que o homem perdeu. Mas a terra dá forma a tudo, concede vida a tudo e possibilita o retorno.

Postura 8 – Tem início o renascer, a ponte entre inconsciência e consciência se manifesta. Simboliza o poder criativo da vida, o grande triângulo de sustentação.

Postura 9 – O retorno, a ascensão. O progresso após o declínio com a intervenção da vontade. Uma vontade sistemática e disciplinada.

Postura 10 – No retorno ocorre naturalmente o início da extensão vertical.

Postura 11 – A proximidade do retorno à Unidade. A união com aquilo que é único, perene e imutável, está muito próxima. O início do despertar cósmico de um novo amanhecer, se aproxima.

Postura 12 – A dualidade se desfaz. Céu e terra, sol e lua, dia e noite, são unos. É o fim e o princípio de tudo. É a luz de um novo amanhecer, se fazendo presente ao fim de cada ciclo.

Ao terminar a série de posturas Joana chora, emocionada. Nunca tinha vivido algo assim, tão forte e tão transformador. A vida segue e Joana acorda de verdade para ela. Joana passa a ver a luz manifestada em seu mundo escuro. E hoje, com cerca de vinte e cinco mil dias de existência, Joana nunca mais deixou de praticar a sua transformadora Saudação ao Sol, a cada amanhecer.

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